quinta-feira, 25 de outubro de 2012

ACABOU-SE A FESTA, PÁ...


Gostava que hoje fosse um dia de festa
como aqueles que nos acordam
com foguetes e fanfarras
e em que, quais crianças,

corremos para o arraial
usando roupa especial,
não a de todos os dias,
porque toda a festa como celebração
pede uma particular atenção
ao modo como nos mostramos.

Só que hoje não é dia de festa
neste país que somos.
A roupa é a normal de todos os dias

e já não temos que correr
para um arraial que não existe.
Já não se ouvem foguetes no ar
e as fanfarras tocam não para celebrar,
mas para chorar pelo país que fomos.


GM

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Falta-me o chão
Aquele espaço térreo a que cresci agarrada;
Falta-me o horizonte
Aquela extensão onde julgava ver toda a minha vida esboçada;
Falta-me a certeza
Aquele lugar de segurança em que tudo é uma verdade;
Falta-me a esperança
Aquela virtude que me fazia pensar que ser gente era uma qualidade;
Faltam-me as pequenas coisas de todos os dias
As que me mantinham estável no meu percurso para a eternidade.

Perdi-me eu de mim
Caminhante num país sem rumo nem integridade.

GM

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

NOVA MADRUGADA


Hoje desejo uma nova madrugada
que por ser nova anuncie um dia novo
e as suas cores se misturem numa mancha
em que seja impossível distingui-las
porque juntas formam um só tom.

No dia em que nascer essa madrugada
a anunciar o esperado dia novo
voltará a haver esperança
e cada um de nós
terá poder porque terá força.


E a nossa voz se ouvirá mais forte
porque separados somos apenas seres
mas juntos temos a força de um povo.


GM

domingo, 14 de outubro de 2012

UM PAÍS DE CANALHAS - PENSAR PORTUGAL


 Nós somos um país de «elites», de indivíduos isolados que de repente se põem a ser gente. Nós somos um país de «heróis» à Carlyle, de excepções, de singularidades, que têm tomado às costas o fardo da nossa história. Nós não temos sequer núcleos de grandes homens. Temos só, de longe em longe, um original que se levanta sobre a canalhada e toma à sua conta os destinos do país. A canalhada cobre-os de insultos e de escárnio, como é da sua condição de canalha. Mas depois de mortos, põe-os ao peito por jactância ou simplesmente ignora que tenham existido. Nós não somos um país de vocações comuns, de consciência comum. A que fomos tendo foi-nos dada por empréstimo dos grandes homens para a ocasião. Os nossos populistas é que dizem que não. Mas foi. A independência foi Afonso Henriques, mas sem patriotismo que ainda não existia. Aljubarrota foi Nuno Álvares. Os descobrimentos foi o Infante, mas porque o negócio era bom. O Iluminismo foi Verney e alguns outros, para ser deles todos só Pombal. O liberalismo foi Mouzinho e a França. A reacção foi Salazar. O comunismo é o Cunhal. Quanto à sarrabulhada é que é uma data deles. Entre os originais e a colectividade há o vazio. O segredo da nossa História está em que o povo não existe. Mas existindo os outros por ele, a História vai-se fazendo mais ou menos a horas. Mas quando ele existe pelos outros, é o caos e o sarrabulho. Não há por aí um original para servir?

Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 2'


sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O NOSSO SOL




Há algo que Portugal tem em abundância e que é desejado por muitos, sobretudo pelos cinzentos do Norte da Europa. Refiro-me ao nosso SOL. Graças a Deus, é algo inalienável e não exportável. A não ser assim, a CORJA que nos governa já o teria roubado, feito uma PPS para partilhar com os amigos ou tê-lo-ia entregue em parcelas aos nossos credores para pagar as dívidas em que nos meteram. Mas receio que, dadas as horas que dele usufruímos e que nos ajudam a poupar alguma energia eléctrica, ainda nos ponham a pagar mais uma taxa por esta utilização considerando-a indevida e lesiva das finanças nacionais.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

0 INTELIGENTE BORGES

Artigo de Daniel de Oliveira no Expresso de 1.10

O inteligente Borges inventou um estratagema para pôr os trabalhadores, já na penúria, a financiarem as empresas através do aumento dos descontos para a segurança social e a redução da TSU. A ideia "extramente inteligente", não fosse ela do muitíssimo inteligente Borges, nunca tinha sido experimentada em lugar algum. Os empresários, como todo o resto do País, foram contra. Não por uma questão de solidariedade, mas porque acham que trabalhadores falidos são consumidores falidos. Pensam que não há exportações que nos salvem da destruição do mercado interno. Os ignorantes tiraram assim ao espantosamente inteligente Borges o Nobel que lhe estava reservado.
O tremendamente inteligente Borges é demasiado grande para este País. Tem de lidar com gente ignorante que não passaria no primeiro ano do seu curso, disse ao lado do genial ministro que fez de uma assentada um curso inteiro. Porque voltou o barbaramente inteligente Borges para a piolheira? Porque também o mundo é demasiado pequeno para ele. O FMI despediu-o por ser inteligentemente incompetente. Ninguém sabe o que fez, durante dois anos, como vice-presidente da Goldman Sachs (um entre centenas), o grupo financeiro que ajudou o governo grego a enganar a Europa e que mais responsabilidades tem na crise financeira internacional. Terão sido, com toda a certeza, coisas inteligentes.
Como Chairman da Hedge Fund Standards Board, deu uma entrevista à BBC. No Hard Talk, o estrondosamente inteligente Borgres tentou explicar a Stephen Sackur os seus inteligentes pontos de vista sobre ética e a utilidade para a economia das suas funções. Perante olhos mais ignorantes, a prestação foi desastrosa e esclarecedora. Como acontece por vezes aos intelectualmente mais dotados, dava a ideia de estarmos perante um pateta que deixava clara a obscuridade imoral do seu ofício.
Incompreendido lá fora, porque o avassaladoramente inteligente Borges vive à frente do seu tempo, regressou ao cantinho que o viu nascer. Passos Coelho contratou-o para tratar das privatizações. Que não têm, como se está a ver na TAP, corrido muito bem. É o problema de lidar com investidores externos não menos ignorantes que os empresários domésticos.
Desde que chegou, o tragicamente inteligente Borges tem dado inteligentes opiniões. Que os salários dos portugueses têm de baixar e que quem acha que os portugueses não têm de apertar o cinto está um bocadinho a dormir. Palavras do deprimentemente inteligente Borges, que saca, todos os meses, 25 mil euros aos contribuintes. Que a RTP devia ser concessionada, ficando as despesas para o Estado e o lucro para quem agarrar a mesada, propôs o pateticamente inteligente Borges. Que as despesas com os funcionários públicos correspondiam a 80% dos custos do Estado, um número assim um bocadinho para o exagerado, mas natural em alguém que, absorto no seu próprio brilho intelectual, não perde tempo com minudências. De cada vez que o incontinentemente inteligente Borges abre a boca cria um drama no governo. Diria Tchekhov: "que sorte possuir uma grande inteligência, nunca lhe faltam asneiras para dizer".
Nunca duvidei, como por estas linhas fica claro, da incomparável genialidade do inteligente Borges. O problema são os políticos, os empresários, os trabalhadores, os portugueses, o FMI, os mercados, os jornalistas, a BBC, Portugal e o Mundo. Neste País, António Borges foi, em tempos, vendido como um homem de autoridade técnica incomparável. Exposto o produto na montra pública dos media, percebe-se finalmente o seu valor. Aquilo é areia demais para a nossa camioneta. Areia que nos sai cara.


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