'Por qué no te callas?'
por ANDRÉ MACEDO Hoje
Em Espanha costuma dizer-se que o príncipe Felipe tem
a inteligência do pai e a simpatia da mãe. Não há espanhol que não apanhe logo
a ironia. Aqui ao nosso lado, há esse bom hábito de falar para os espanhóis
perceberem. Talvez o facto de terem Rei e não Presidente favoreça este ambiente
em que os elogios ou os ataques não precisem de legenda para serem entendidos
por todos, mesmo quando embrulhados na mais fina ironia para amortecer o
embate.Até um tipo como Mariano Rajoy, que em Espanha é
considerado um dos políticos menos excitantes de todos os tempos, seria capaz
de arrebatar corações e as mentes da nação portuguesa. Ontem, no Porto, isso
ficou claro. Não falou como falam as misses universo. Não falou como falam os
políticos. Logo depois de Passos Coelho resumir a cimeira ibérica com leves
referências ao contexto europeu, Rajoy atirou-se à cabeça do touro. Corte na
despesa pública, sim. Redução da dívida pública, pois claro. Preocupação com o
crescimento? É evidente que sim, hombre, por mil demónios! A introdução de satã
na exclamação é da minha lavra, mas é sabido que Merkel tem fugido como diabo
da cruz dessa palavra. Daí a importância do que ontem sublinhou Rajoy.
No fundo, não há uma só cabeça lúcida que possa
contestar que a montanha de dívida pública e privada tapou as artérias da
economia europeia, em especial da nossa. Reduzir este problema, emagrecer o
Estado, limpar os bancos, redimensionar as empresas - tudo isso é essencial
para reiniciar um ciclo de prosperidade mais equilibrado. Mas embora isto seja
evidente, a verdade é que demasiados governos, a convite da rigidez alemã,
decidiram enfiar goela abaixo o frasco inteiro de óleo de fígado de bacalhau.
Tudo de penálti.
Como antes Sócrates e Zapatero só adivinhavam virtudes
na dívida e no alargamento da cintura do Estado, Merkel e os seus discípulos
decidiram que só o contrário é aceitável. Não é: calibrar o martelo da
austeridade para não esmagar a economia era o que se pedia. Embora convenha aos
governos dizer que só há dois caminhos - despesismo ou austeridade - e apesar
de se compreender que não seja fácil encontrar a medida certa, a espiral
recessiva em que nos encontramos já é em parte (a mais modesta) da
responsabilidade dos zelotas orçamentais.
Chegou o momento de torcer o braço à chanceler alemã.
Mais tempo para reduzir o défice, mais inflação na Alemanha (salários mais
altos), juros ainda mais reduzidos e, a prazo, obrigações europeias em certas
condições. Sem discutir estes novos termos do contrato europeu - falar é um
incentivo - , vamos ter mais grécias por aí e menos Europa por aqui. Como um
dia disse Juan Carlos, num parêntesis de lucidez, por qué no te callas, Angela?
Apesar da brutalidade, talvez com esse recato e um pouco de flexibilidade, os
extremos - cabeludos e rapados - percam a esperança de ver a Europa a arder.
Não seria nem simpático nem inteligente. Seria uma real asneira
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